O voo livre do bicudo em Minas Gerais

O trabalho para salvar um dos pássaros mais capturados do Brasil
Bicudo macho solto na RPPN Porto Cajueiro - Foto: Flávio Ubaid (Divulgação)

Uma unidade de conservação particular em Januária, no norte de Minas Gerais, é o lar do projeto que devolve à natureza o bicudo (Sporophila maximiliani), pássaro que corre o risco de extinção e há décadas não era visto solto no Brasil. Além de fazer a reintrodução da espécie, a equipe do Projeto Bicudo se organiza para abrir a reserva ao turismo de observação de pássaros.

 
Por que os bicudos são capturados?

O canto do bicudo é raro: pode passear por 32 notas. Foi isso que fez dele um alvo na comercialização de pássaros em todo o país, quase provocando o desaparecimento da espécie.

 
Aperte o play e escute aqui como é o canto do bicudo:
 

A última vez que o guia Jacinto Pereira viu um bicudo livre no sertão de Minas Gerais foi em 1976. Quando ele era adolescente, muita gente armava redes de captura nos brejos da região: “O pessoal plantava arroz e esperava ele vir comer. Valia muito dinheiro. Eu mesmo, quando menino, cheguei a tentar pegar e não consegui. Com o tempo, o bicudo sumiu dessa região. Quando fui ver, tinha acabado”, diz Jacinto.

 

Jáo, como é conhecido, tornou-se guia no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, noroeste de Minas Gerais e se apaixonou pela conservação.

 
“Eu fui tomando conhecimento sobre a conservação ambiental e fui tomando amor pelos bichos. Hoje tenho o maior prazer em conscientizar os moradores a não capturar bicho nenhum”, conta Jáo.
 
Mariane Durães, bióloga, pesquisadora do Projeto Bicudo observa os pássaros na RPPN Porto Cajueiro- Foto: Gustavo Malacco (Divulgação)

Jáo se lembra de quando foi chamado para acompanhar um grupo de pesquisadores que procurava pelo pássaro, em 2013. Rodaram toda a região do Parque sem encontrar o bicudo. Era o grupo do biólogo Flávio Ubaid, que começava uma série de viagens pelo Brasil para encontrar o pássaro. “Passamos três anos viajando pelo Brasil para tentar encontrar algum bicudo. Visitamos parques nacionais, áreas de preservação em todo o país e achamos apenas poucos indivíduos no Mato Grosso do Sul”, diz Flávio.

 

Os primeiros levantamentos feitos por Flávio mostraram que a espécie não era vista na natureza desde a década de 1980.

 
“Percebemos que o pássaro estava em extinção, não pela caça, mas sim pela captura para venda. Havia uma contradição: o bicudo estava desaparecendo da natureza, mas existiam quase 200 mil pássaros criados em cativeiro”, conta Flávio Ubaid.
 

Foi aí que eles decidiram lançar um projeto para devolver os bicudos à natureza.

 
Fêmea solta pelo Projeto Bicudo na RPPN Porto Cajueiro – Foto: Flávio Ubaid (Divulgação)
O Projeto Bicudo no sertão de Minas Gerais
 

O bicudo gosta das áreas úmidas do Cerrado. O território dele é nos arredores de brejos, de veredas do sertão, porque é nesses locais que ele tem o alimento preferido: as sementes do Capim Navalha. Algumas regiões foram testadas para abrigar o Projeto Bicudo, até encontrarem a RPPN Porto Cajueiro, uma Reserva Particular de Patrimônio Natural em Januária, no norte de Minas Gerais. Além das veredas, a unidade de conservação da Usina Coruripe é grande, com difícil acesso, o que possibilita mais segurança para os pássaros.

 

O biólogo Gustavo Malacco é um dos coordenadores do projeto e explica que os bicudos chegam à unidade vindos das apreensões feitas pela polícia ou pelas doações de conservadores parceiros que criam de forma legalizada. Os pássaros passam por uma bateria de exames, depois por um período de adaptação dentro dos viveiros e, por fim, são levados para o pareamento dos casais.

 
Medição da cabeça de uma fêmea de bicudo – Foto: Gustavo Malacco (Divulgação)
“Os bicudos são sempre soltos em duplas, um macho e uma fêmea, e são aves incríveis. Temos fêmeas que nunca viveram na natureza e, quando soltas, conseguem fazer os ninhos. São pássaros com extraordinária memória genética, uma grande capacidade de adaptação”, diz Mallaco.
 

A parceria com os criadores legalizados é fundamental. São eles que doam as aves e possibilitam que os bicudos possam ser vistos na natureza de novo. Se os viveiros do projeto tiverem apenas fêmeas, não há como fazer a soltura na natureza. É preciso esperar a doação de bicudos machos para que sejam soltos juntos e se reproduzam. Segundo Gustavo, é um trabalho de resiliência e paciência.

 

Soltura dos bicudos na RPPN: Macho vai embora primeiro. A fêmea sai poucos segundos depois – Vídeo: Gustavo Malacco (Divulgação)

 
“A próxima estação reprodutiva é em agosto, por isso agora estamos sensibilizando os criadores para que nos doem os pássaros e, então, possamos soltar os casais”, diz Gustavo.
 
Como os criadores legalizados de bicudos podem ajudar
 

Adir Dias é engenheiro florestal e criador legalizado pelo Ibama em São Paulo. Ele faz parte do Clube de Criadores de Bicudos de Canto do Brasil, que reúne pessoas que se cadastraram nas secretarias de meio ambiente e receberam autorização para criação dos pássaros. Alguns, como ele, criam bicudos para participar de torneios profissionais de canto.

 
“Eu sabia da importância do bicudo e me deu tristeza ver que ele havia desaparecido da natureza. Por isso comecei a incentivar projetos de conservação e decidi começar a doar pássaros para o trabalho de reintrodução”, conta Adir.
 

O Clube de Criadores já doou cerca de 50 casais ao Projeto Bicudo para soltura em Minas Gerais. Adir estima que existam 180 mil bicudos com criadores legalizados em todo país e que, agora, muitos podem contribuir para a volta do pássaro à natureza. Adir e o sócio se tornaram um dos principais criadores parceiros do Projeto bicudo.

 
“O criador profissional gosta dos pássaros e da biodiversidade. Meu sonho é ter a oportunidade de ir a um lugar e ver o bicudo solto cantando como antes. O trabalho dos criadores legalizados de bicudos, que conservou a espécie, pode ser muito importante agora”, explica Adir.
 

Aumente o áudio para ouvir e ver este bicudo cantando depois de ser libertado na natureza – Vídeo: Gustavo Malacco (Divulgação)

 
 

O Projeto Bicudo é mantido pela Usina Coruripe, responsável pela RPPN Porto Cajueiro e tem entre os parceiros o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da plataforma Semente.

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