• O desmatamento cresceu nos três biomas presentes do estado.
• Minas Gerais é o estado que mais desmatou Mata Atlântica nos último 20 anos, segundo o MapBiomas.
“É graças aos pequenos que os biomas ainda estão de pé”, nos diz a coordenadora geral da Rede Cerrado, Maria de Lourdes Nascimento que esteve na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes. O segundo maior bioma da América do Sul e o maior de Minas Gerais vai fechar 2023 batendo um recorde que não orgulha ninguém. O desmatamento avançou tanto no Cerrado, que cerca de 22 mil km² de vegetação nativa foram destruídos no país, nos últimos dois anos, segundo os dados do Inpe.
A queda no desmatamento da Amazônia virou notícia no mundo e foi um dos principais trunfos da delegação brasileira na COP 28, mas a destruição apenas mudou de lugar. Se você também se pergunta por qual motivo o desmatamento no Cerrado avançou enquanto na Amazônia caiu, saiba que uma das explicações é a própria lei.
O Novo Código Florestal e o desmatamento
Pela lei, que sofreu várias alterações ao longo de 2012, quem tem uma propriedade na Amazônia é obrigado a preservar 80% da terra e tem permissão para desmatar apenas 20%. No Cerrado, é o contrário: o proprietário pode desmatar 80% do terreno e é obrigado a preservar só 20%. Para o agronegócio expandir em terras onde desmatamento é considerado legal, ele acaba migrando para o Cerrado, segundo Maria de Lourdes Nascimento:
Das 12 grandes bacias hidrográficas brasileiras, oito nascem no Cerrado. Duas, em Minas Gerais: São Francisco e Jequitinhonha. “Corremos o risco de perder boa parte da Amazônia que depende do Cerrado, especialmente pela questão das águas.” diz Pedro Lion, também coordenador da Rede.
“Grande parte da evapotranspiração da Floresta Amazônica precipita no Cerrado, que armazena essa água, abastece os aquíferos, que, por sua vez, abastecem grandes bacias hidrográficas do Brasil inteiro”, acrescenta.
Mas a COP 28, em Dubai, terminou sem uma política real para barrar o desmatamento do Cerrado.
Quem desmata e para quê?
A disparada na destruição da vegetação nativa dos biomas de todo o país coincide com a vigência do novo Código Florestal, como mostra uma análise do MapBiomas. Nos primeiros anos depois da aprovação da lei, a perda de mata nativa nos biomas saltou de 5,8 milhões para 8 milhões de hectares. Nos anos seguintes, continuou crescendo até chegar a 12,8 milhões de hectares perdidos em 2022.
O MapBiomas constatou o avanço da agropecuária em todos os biomas, com as pastagens ocupando a maior parte dos territórios e, em seguida, a agricultura. No Cerrado, metade da mata nativa deu lugar à agropecuária. Atualmente, o arco principal de desmatamento no bioma é a faixa chamada de Matopiba – sigla com as iniciais dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MA, TO, PI, BA) -, onde se concentram as grandes pastagens e a produção de soja, milho e algodão.
Minas Gerais é o estado que mais desmatou Mata Atlântica nos últimos 20 anos, segundo o MapBiomas
Em Minas Gerais, os dados mostram que o desmatamento aumentou 13,52% nos últimos 20 anos, nos três biomas presentes no estado: Mata Atlântica, na faixa leste (em verde, na figura abaixo), é a que mais perdeu mata nativa. Em seguida, o Cerrado, na faixa oeste (marrom), que ocupa mais da metade do território. Por fim, a Caatinga (em amarelo), no extremo norte, que também não foi poupada.
No ranking do desmatamento da Mata Atlântica, Minas Gerais aparece em primeiro lugar. O aumento foi de 22,62% nos últimos 20 anos. Só em 2022, cerca de 324 km² de mata nativa foram destruídos.
No Cerrado mineiro, o desmatamento atual é o dobro de 2016, como mostram os números do MapBiomas. A produção de carvão vegetal, principalmente na região norte do estado, é uma das principais ameaças à vegetação nativa.
Na Caatinga mineira, o aumento do desmatamento é de 6,22% nos últimos 20 anos (7.420,45 km²). Só em 2022, foram 100,51 km² de mata nativa destruídos.
Quem preserva a vegetação nativa que ainda está de pé?
Ao longo de 2023, o Projeto Preserva viajou cerca de 6 mil km em Minas Gerais, produzindo uma série audiovisual sobre as comunidades que usam recursos naturais para produzir peças de artesanato. Essas comunidades geram renda, movimentam a economia, algumas exportam seus produtos, mas conseguem usar os recursos sem destruir a biodiversidade dos biomas.
A escolha das comunidades teve como princípio a adequação aos ODS, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Os 17 ODS fazem parte de um pacto global pela sobrevivência sustentável do planeta, com uma agenda de metas que devem ser alcançadas até 2030.
Entre essas metas, constam, no ODS número 11, por exemplo,
“apoio às atividades econômicas, sociais e ambientais positivas entre áreas urbanas e rurais” e, ainda, “a proteção e salvaguarda do patrimônio cultural e natural do mundo”.
Os números mostram que as metas não foram definidas por acaso. Outro levantamento do MapBiomas revela que a vegetação dos territórios quilombolas e indígenas estão entre as mais preservadas do país.
Entre 1985 e 2022, as propriedades privadas do Brasil perderam 25% da mata nativa. As comunidades quilombolas registraram 4.7% de perda nesse período. Nas comunidades indígenas, a perda de mata nativa é de apenas 1%.
Um exemplo dessa diferença vem do Cerrado. Enquanto o Brasil tem apenas 48% do bioma nativo, o Quilombo Kalunga, em Goiás, mantém 83% do seu território preservado, lembra a coordenadora geral da Rede Cerrado, Maria de Lourdes Nascimento.
“É preciso entender que, sem os povos e comunidades tradicionais, ninguém vive. É graças aos pequenos que os biomas ainda estão de pé. Falta proteção do Estado também aos povos e comunidades tradicionais”, enfatiza.
Em Minas Gerais, existem cerca 390 comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente, pelos dados da Sedese, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social. O último censo do IBGE, em 2022, mostrou que a população quilombola do estado é a terceira maior do país, com 135.310 pessoas.
Berilo, no Vale do Jequitinhonha, é a segunda cidade do país com maior proporção entre habitantes e quilombolas. Nós visitamos a região para conhecer um modo de produção artesanal que sobrevive há três séculos. Encontramos grupos de mulheres com o conhecimento ancestral, que vai do cultivo do algodão, passa pelo tingimento natural usando cascas de árvores do cerrado, até a confecção de grandes colchas, tapetes e redes feitas de forma totalmente artesanal.
Na região de Diamantina, o sistema dos apanhadores de sempre-viva, que envolve comunidades de 15 cidades do entorno, foi o primeiro do Brasil a receber o título de Patrimônio Agrícola Mundial pela ONU, em 2020. Mesmo depois do reconhecimento, as comunidades ainda encontram dificuldades para manter a prática da panha das flores no território. Seja pelo avanço da monocultura do eucalipto e da mineração ou, ainda, pela incompreensão sobre o uso ancestral do fogo como parte do processo para o cultivo das sempre vivas.
No mês passado, mostramos na newsletter Veredas que o Ministério Público Federal precisou intervir e recomendou que um parque estadual garanta o direito da panha dentro de sua unidade (assine gratuitamente a Veredas aqui).
“As comunidades estão há muitas gerações, há mais de 200 anos aqui, e o bioma é muito preservado”, lembra Márcio Andrade, engenheiro agrônomo da Codecex, a Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas.
“É tanto que a Serra do Espinhaço é reconhecida como reserva da biosfera mundial pela Unesco desde 2004, mas quem estava lá na conservação dos recursos hídricos, do bioma nativo e da biodieversidade da serra eram as comunidades apanhadoras de flores e quilombolas.” enfatiza.
Para conhecer outras comunidades de Minas Gerais que usam recursos naturais e preservam os biomas de suas regiões, acompanhe a série audiovisual Saberes Ancestrais, que em breve será lançada pelo Projeto Preserva. Abaixo, você vê em primeira mão uma prévia: