Publicação mostra como agronegócio depende da biodiversidade

Estudo orienta gestores das esferas pública e privada na tomada de decisões com foco na sustentabilidade e no equilíbrio da tríade agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos

Por Agência Gov | Via Embrapa

Foto: acervo Projeto Preserva

A mais recente publicação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) pretende compatibilizar os interesses das áreas da conservação ambiental e da produção rural no Brasil, mostrando como o agronegócio – agricultura, pecuária e silvicultura – se beneficia e depende da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Lançado nesta terça-feira (16/7), no Museu do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Sumário para Tomadores de Decisão do Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos aborda os desafios associados ao modelo de uso da terra predominante no país e as soluções para tornar a agropecuária uma prática mais sustentável e inclusiva.

Uma versão resumida do Relatório Temático, o Sumário foi elaborado por 35 pesquisadores que sintetizaram o conteúdo principal com linguagem simplificada e em formato didático. O documento visa influenciar gestores e lideranças das esferas pública e privada na tomada de decisões com foco na sustentabilidade e no equilíbrio da tríade agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Benefícios gerados pela natureza que sustentam a vida no planeta, os serviços ecossistêmicos são essenciais para garantir a capacidade da produção agrícola. Água limpa, regulação do clima, manutenção da fertilidade e da estrutura do solo, polinização de culturas e controle biológico de pragas e doenças são alguns exemplos.

O Relatório Temático, coordenado por Rachel Bardy Prado, pesquisadora da Embrapa Solos (RJ), e Gerhard Overbeck, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é um diagnóstico minucioso que compila informações científicas e casos exitosos acerca das interações entre os usos do solo e a biodiversidade no Brasil, sob a ótica do bem-estar humano e levando em conta os saberes tradicionais.

O estudo mobilizou ao longo de três anos 100 profissionais de inúmeras áreas, pertencentes a mais de 40 instituições distribuídas por todos os biomas brasileiros, sendo que aproximadamente um quarto dos autores são da Embrapa. Além da síntese de conhecimento sobre a temática, o texto traz propostas para um melhor manejo do capital natural no meio rural nacional.

Desafios de uma potência agroambiental

Topo do ranking das nações megadiversas e detentor de um vasto e rico território que abriga 20% das espécies do planeta, o Brasil também tem solo fértil, água abundante e clima favorável para a produção de alimentos. Considerado por muitos o ”celeiro do mundo”, o país é um dos maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários, como grãos, carnes, frutas e fibras.

Segmento crucial para a economia nacional, o agronegócio é responsável por cerca de 20% dos empregos formais e por mais de um quarto (27%) do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil – R$ 403,3 bilhões em 2020. Em grande parte, como aponta a publicação da BPBES, é caracterizado por monoculturas em larga escala, com sistemas de irrigação intensivos e uso excessivo de insumos, fertilizantes e agrotóxicos.

“O modus operandi do setor tem se mostrado insustentável, aumentando a pressão sobre o capital natural e originando grandes impactos ambientais. Isso compromete a saúde humana e afeta inclusive os serviços ecossistêmicos dos quais a atividade depende”, pontua Gerhard Overbeck

Rachel Prado reforça que a escassez de recursos naturais em algumas partes do país e os efeitos sobre o clima colocam em xeque a própria abundância da agricultura brasileira. A pesquisadora aponta que as principais cadeias de valor de alimentos estão susceptíveis às mudanças climáticas, e certas regiões poderão sofrer quedas de produtividade e alterações na aptidão para determinadas culturas.

“Modelos projetados estimam, por exemplo, que na fronteira Amazônia-Cerrado as variações no clima regional vão comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060”, acrescenta Rachel

Nesse sentido, de acordo com a pesquisadora, ferramentas de ordenamento territorial e de suporte ao planejamento regional como os sistemas de aptidão agrícola das terras e de aptidão para irrigação, zoneamentos e outros mapeamentos com base na informação dos solos terão que ser adaptados, incluindo a abordagem dos serviços ecossistêmicos, visando fomentar paisagens rurais multifuncionais.

Agricultura familiar e a praticada por povos tradicionais

O documento mostra que o potencial produtivo do país não se restringe às grandes propriedades rurais, pois a agricultura familiar e a praticada por povos tradicionais é uma peça-chave no contexto agrícola nacional.

“Ela responde por aproximadamente 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa e contribui para a segurança alimentar da população”, aponta Prado.

Esse setor, que congrega pequenos produtores rurais, povos e comunidades tradicionais (PCTs), assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores, possui uma relação mais estreita com os recursos naturais pelo menor uso de insumos e pela diversidade de cultivos e maior aproveitamento de resíduos, e emprega dois terços da mão de obra rural brasileira. Em 2017, seu valor de produção foi de R$ 106,5 bilhões, enquanto a cifra da agricultura comercial convencional atingiu R$ 355,9 bilhões. Se equiparada a um país, a agricultura familiar brasileira seria a oitava maior produtora de alimentos do planeta, conforme o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023.

O fomento a essa modalidade de agricultura é um dos caminhos apontados na publicação da BPBES para conciliar a produção agrícola com baixas emissões de carbono e com a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. No entanto, o setor ainda enfrenta dificuldades para conseguir crédito rural e assistência técnica qualificada.

“É necessário ampliar o acesso às linhas de crédito diferenciadas e voltadas à agricultura de baixo impacto ambiental. Também há que se reverter o cenário atual onde, por exemplo, 84% de todo o valor contratado via Pronaf (crédito rural dirigido à agricultura familiar) foram aplicados na produção pecuária, geralmente praticada de forma extensiva e com baixa rentabilidade”, escrevem os autores na publicação.

Caminhos viáveis

Uma das principais mensagens do estudo é a de que, havendo vontade política, existem opções viáveis e eficazes para uma agropecuária mais sustentável no Brasil. Assim, é possível conciliar uma melhor produtividade nas pastagens e cultivos e a mitigação das mudanças climáticas.

“O Relatório traz soluções já adotadas em algumas regiões do Brasil capazes de tornar a agricultura nacional mais diversificada, competitiva e resiliente. Essas práticas agregam maior renda aos produtores que conservam o capital natural”, informa Prado 

Estudo mobilizou, ao longo de três anos, 100 profissionais de inúmeras áreas. Aproximadamente um quarto dos autores é da Embrapa

Segundo os pesquisadores, o simples cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação (norma federal, instituída em 2012) evitaria, entre 2020 e 2050, a perda de 32 Mha de vegetação nativa no país. Além disso, “o aumento na produtividade das pastagens brasileiras permite atender a demanda futura de áreas para a produção de carne, culturas agrícolas, produtos madeireiros e biocombustíveis, sem a necessidade de converter mais hectare algum de vegetação nativa e ainda liberando terra para restauração em larga escala, por exemplo, na Mata Atlântica”, diz o texto.

Outras alternativas incluem o estímulo à restauração de áreas de reserva legal (RL) e de preservação permanente (APP) com proteção dos mananciais hídricos; os incentivos econômicos e mecanismos financeiros para atividades agrícolas sustentáveis – como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), linhas de crédito verdes, créditos de biodiversidade, REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e mercado de Cotas de Reserva Ambiental; os programas de extensão rural com foco na agroecologia; a valorização e a disseminação de práticas e tecnologias sociais de PCTs; os sistemas de rastreabilidade de cadeias produtivas; o Sistema Plantio Direto; as florestas plantadas; o turismo rural; e o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).

Contudo, para atingir a transformação desejada nos sistemas de produção agrícola, esses mecanismos precisam ser incentivados e disseminados para ganhar escala, ampliar sua abrangência nos biomas e, sobretudo, alcançar os agricultores mais vulneráveis, ressalta Overbeck.

Acesse aqui o Sumário.

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