Possivelmente, nenhuma informação que eu compartilhar aqui sobre a situação dos rios e dos aquíferos de Minas Gerais será tão impactante quanto ouvir de um ribeirinho que o maior problema que ele enfrenta atualmente é a falta de água para beber.
Nada dará mais a dimensão da crise hídrica que nos espreita, do que ouvir um pescador falar que não há mais peixes e que o rio some um pouco a cada dia. Ao longo de qualquer curso de água, os moradores sabem apontar o que motiva o problema e conhecem as possíveis soluções.
O futuro das águas depende de decisões de preservação, mas também de escuta e diálogo com quem vive o rio: nesta semana, inclusive, um seminário internacional discute o impacto das mudanças climáticas nas águas, mas os movimentos de defesa ambiental ficaram de fora da programação oficial. São eles que acompanham, cotidianamente, os conflitos por água e os impactos nos territórios.
Graças aos moradores e aos pesquisadores que vivem e estudam a realidades dos aquíferos de Minas Gerais, a Serra do Gandarela ganhou um escudo de proteção. Depois de uma campanha dos movimentos de defesa ambiental, o ICMBio definiu a zona de amortecimento do parque, área que funciona como um contorno filtrando o impacto de atividades como a mineração. Falamos sobre a campanha aqui mesmo, nessa coluna.
O cuidado com a Serra do Gandarela tem um motivo especial: ela é um dos últimos lugares do Quadrilátero Ferrífero-Aquífero a abrigar uma raridade geológica: as rochas de minério de ferro são reservatórios subterrâneos de água doce. Esse capricho da natureza dá a essas rochas de minério uma capacidade única de captar e armazenar água da chuva, alimentando nascentes e rios que abastecem a população de BH e do entorno e sustentam a biodiversidade local.
Estamos com os pés fincados na crise climática e, infelizmente, é uma realidade sem volta. Nos resta investir em adaptação, restauração e preservação do que ainda não foi destruído. E os aquíferos são vitais se quisermos água no futuro. A maior ameaça aos aquíferos do quadrilátero é a mineração intensiva, a que não respeita os limites ambientais.
A superexploração das águas subterrâneas, muitas vezes realizada sem o devido controle e licenciamento, agrava a situação, reduzindo a vazão dos rios e comprometendo a disponibilidade de água. A situação é alarmante: estudos indicam que mais da metade dos rios brasileiros pode sofrer redução no fluxo devido à transferência de água para os aquíferos, com destaque para a bacia do rio São Francisco, onde 61% dos rios analisados mostraram potencial de perda de fluxo de água para o subsolo.
Preservar aquíferos parece conversa de geólogo barbudo (nada contra) em conferência internacional, mas é, na real, coisa de gente que quer continuar abrindo a torneira e vendo a água cair. É essa coisa invisível, o aquífero, que sustenta a vida: irriga o agro, enche caixa d’água, empurra peixe rio abaixo. E quando ela some, some também o banho quente e a gente fica ali com o copo vazio tentado descobrir por onde foi que a água escorreu.
Artigo publicado originalmente na coluna do Projeto Preserva, no jornal Diário do Comércio