Ouviu o berrante aí? Ele tocou há cerca de um mês e voltou a soar no noticiário, na semana passada. Na atual, o Congresso aprovou o novo marco do licenciamento ambiental, apelidado de PL da Devastação, que segue para sanção presidencial e possíveis questionamentos de inconstitucionalidade no STF.
A porteira estaria escancarada de vez em Minas, se o Projeto de Lei 2.159/2021 já estivesse em vigor neste ano. O PL propõe ampliar o chamado licenciamento por autodeclaração para projetos de médio porte e médio potencial poluidor, hoje submetidos a algum nível de controle.
O Projeto Preserva apurou em reportagem exclusiva que 98% dos processos de licenciamento protocolados no primeiro semestre deste ano não precisariam sequer passar por análise ambiental. O dado é Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Esse é o mesmo percentual para a totalidade dos processos de 2024. Sob o novo prisma, 2.463 dos 2.513 processos de licenciamento ambiental protocolados no estado seriam enquadrados na modalidade de licenciamento autodeclaratório em modalidade concomitante. Ou seja: 50, apenas 2% dos empreendimentos, ficariam sujeitos a fiscalização e estudos ambientais mais controlados.
A consultora Daniela Diniz, ex-subsecretária de Licenciamento Ambiental de Minas, alerta: “É um grande risco. Incluir as atividades de médio porte no autolicenciamento é grave porque abrange a maior parte dos empreendimentos do estado. Isso é autorizar uma agressão ao meio ambiente sem controle algum”.
Diniz alerta que o licenciamento ambiental é o principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente. Com ele, surgiram unidades de conservação, zonas de amortecimento, condicionantes ambientais e medidas de compensação.
O PL da Devastação também promove a separação entre o licenciamento ambiental e a outorga do uso da água, permitindo que empresas possam operar sem autorização prévia sobre a água que vão usar ou poluir. Atualmente, qualquer empreendimento precisa demonstrar com estudos técnicos, que não afetará áreas sensíveis, cavernas ou cursos d’água. Com o PL, essas exigências desapareceriam. Empresas poderiam autodeclarar que não há impacto e começar a operar.
O PL estabelece ainda que setores como o agronegócio e grandes obras de infraestrutura possam ser isentos de licenciamento ambiental. A justificativa é que eles são estratégicos para o país. E são. Porém, mais estratégicos são a água que nos abastece e o ar que respiramos.
Tudo vem sob o verniz do batido discurso de se “desburocratizar” o processo e acelerar os licenciamentos – que seriam mais rápidos se houvesse ampliação de quadros e investimento em tecnologia, como a automatização dos processos com o uso (responsável) de Inteligência Artificial. Já existe, inclusive, uma parceria da Feam com o Google nesse sentido. Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, a IA já é aplicada no sistema de Gestão de Autos de Infração Ambiental (Gaia).
Isso não basta. É preciso aplicar a inteligência natural, o conhecimento científico e a responsabilidade social à gestão ambiental para termos algum futuro.
Artigo atualizado em 17/07/2025, publicado originalmente em 14/07/2025, na coluna do Projeto Preserva, no jornal Diário do Comércio