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G20 discute transição energética em Belo Horizonte

Grupo de trabalho reconhece urgência, mas ainda se mostra preso ao petróleo e à mineração
Plenária de uma das reuniões do G20 em Belo Horizonte - Foto: Divulgação G20

A exploração do petróleo na margem equatorial e a mineração ainda tiveram forte presença na posição das autoridades brasileiras, durante o encontro do Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20 em Belo Horizonte, que terminou na quarta-feira (29/05). Durante três dias, foram realizadas diversas reuniões fechadas entre integrantes do grupo, com debates sobre temas em torno da dimensão social da transição energética, financiamento de baixo custo, acesso universal à energia limpa e inovação em biocombustíveis.

 

O Projeto Preserva faz parte do Grupo de Trabalho 3 do C20, o braço social do G20, que se reuniu com várias organizações do mundo para discutir Meio Ambiente, Justiça Climática e Transição Energética Justa, e esteve nos três dias da reunião do G20 em BH.

 

Ao ouvir representantes do Ministério de Minas e Energia, principalmente, e do Ministério das Relações Exteriores, ficou claro que o atual governo não abre mão de investir na exploração do petróleo, ainda que com vistas às alternativas mais limpas. Prova disso, foi a nomeação de Magda Chambriard para o cargo antes ocupado por Jean Paul Prates, na presidência da Petrobras. A nova presidente defendeu a exploração na área de pré-sal no Norte do Brasil, na região chamada de margem equatorial, no litoral do Amapá.

 

A posição também foi defendida pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que disse em entrevista coletiva, que “nossos irmãos da Guiana estão chupando de canudinho as riquezas do Brasil, porque estão explorando na divisa (sic)”. 

 

A transição energética

 

Segundo o site do Ministério de Minas e Energia, “transição energética consiste em passar de uma matriz de fonte de energia que utiliza combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão, que são grandes emissores de Carbono (CO2) na atmosfera, para fontes renováveis, como sol, água, vento e biomassa, que emitem menos gases de efeito estufa”. Porém, mesmo essas alternativas deixam pegadas e geram um passivo. O que fazer para diminuir o impacto? Esse foi o questionamento feito pelo Projeto Preserva ao ministro.

 

(Projeto Preserva) Essa transição para fontes de energia mais limpas não só é urgente, como necessária. Mas ela gera passivos e pegadas também.  Por exemplo, as comunidades que vivem no entorno da extração da energia eólica, no Norte de Minas, a questão do passivo da mineração, como a do lítio no Vale do Jequitinhonha e das terras raras, no Sul do estado, e a exploração da energia solar: o que fazer com os painéis fotovoltaicos, que têm um determinado tempo de vida útil? Já se pensa em políticas em torno dessas questões?

 

(Alexandre Silveira) É um desafio e te respondendo objetivamente: até agora, não se pensou de forma objetiva, com clareza que, realmente, essas fontes novas vão deixar um passivo ambiental em médio e longo prazos. O fato é que é uma preocupação que precisa ser levantada.

 

(AS) Eu sou a favor da transição energética, mas nos seus dois vetores: sustentabilidade, como alicerce, e econômico. Mas não sou cego à realidade. Quando você decide abrir mão de fontes e de recursos ainda importantes para a riqueza nacional, você está matando tanto quanto, ou até mais, do que você olhar apenas o fator da sustentabilidade. Porque você está matando empregos, está matando a riqueza, está matando de fome. Buscar esse equilíbrio é um desafio constante.

 

(AS) O Brasil tem que ser cobrado por política públicas. Então temos que pensar muito bem. Tem cadeias em que não estão muito claros os custos sociais que deixam. Tem cadeias que, por exemplo, para estimular as eólicas, nada foi feito de contrapartida social, porque era uma fase de ainda dar subsídio, para crescer a indústria renovável. Agora, na minha opinião, cessa. Ela já anda por si, só. Então nós temos que discutir alternativas de contrapartida para essas fontes de energia, não estou dizendo taxar, e para mineração.

 
Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira – Foto: Projeto Preserva
Mineração

 

“Mineiro, em sã consciência, não pode demonizar a atividade mineral. Não há transição energética sem lítio, sem cobre. Não vai acontecer. Agora, como se fazer é um desafio. Porque ela tem que ser sustentável e segura. As empresas não podem fazer como elas querem” (Alexandre Silveira).

 

(AS) [Em relação às] contrapartidas sociais e à mineração sustentável, segura, bem como as contrapartidas de fontes de energia renováveis, intermitentes, que foram incentivadas porque era necessário para se estimular essas fontes, agora é o [momento do] upgrade. É hora de discutir como as novas fontes vão deixar contrapartidas sociais.

 

(AS) Para os investidores, falar em incentivo e subsídio, é música. Mas quando se fala em deixar um pedacinho para a população, é uma guerra. Um projeto está sendo elaborado. Queremos que esteja pronto até agosto ou setembro. Vai ser polêmico, mas nós vamos levar ao Congresso Nacional para ser debatido e corrigir distorções.

 

Petróleo e COP 30 no Brasil

 

O petróleo foi o grande protagonista, ao lado da mineração na última Conference of Parts (COP) sobre mudanças climáticas. A COP 28 foi realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, país produtor e exportador de petróleo. A próxima, a COP 29, em novembro deste ano, vai ser em Baku, no Azerbaijão, onde a economia é movida a gás e petróleo. A conferência seguinte será no Brasil, a COP 30, no Pará.

 

O Projeto Preserva quis saber do embaixador André Corrêa do Lago, secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, se o Brasil, na presidência atual do G20 e como sede da COP 30, poderia ter algum protagonismo prático na condução a um outro rumo. O embaixador respondeu:

 

“Para a maioria dos jornalistas estrangeiros, o Brasil também é um país petroleiro. Nós estamos nos tornando o quinto maior exportador de petróleo”. (André Corrêa do Lago)

 

(ACL) A diferença é que temos alternativas extremamente interessantes, porque somos um país que tem uma grande riqueza de circunstâncias. Nós temos áreas no Brasil que são magníficas para a [exploração da energia] eólica. Temos áreas que são ideais para a solar, para hidrelétrica etc. Então o Brasil, como conhece várias realidades, entende muito melhor os demais países. Nós temos todas as circunstâncias. Temos até, digamos, a riqueza extrema em certas circunstâncias e a pobreza extrema ainda, infelizmente.

 

Embaixador André Corrêa do Lago, secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores – Foto: Divulgação G20
 

(ACL) Nós acreditamos em soluções muito variadas. Você pega o exemplo de biocombustíveis, que é um tema essencial nessa reunião [do G20]. Nós entendemos como uma solução muito lógica e como a solução que funcionou muito bem para nós.

 

(ACL) Mas eu queria insistir sobre uma questão ligada à COP 28 e, evidentemente, à COP 30 no Brasil, que é a questão da urgência. Infelizmente, a tragédia no Rio Grande do Sul é um grito de alarme com relação ao que pode acontecer em tantas cidades regiões do Brasil.

 

Se você se der conta de que já estão acontecendo coisas que o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente] achava que só iam acontecer em 2040, nós temos que ampliar a utilização das tecnologias já existentes para diminuir os preços.

 
“Temos também que insistir em novas tecnologias, que vão permitir que a gente acelere o combate à mudança do clima. Nós sabemos que temos poucos anos para impedir que a [elevação na] temperatura [da Terra] ultrapasse 1,5 grau, com relação ao início da era industrial.” (André Corrêa do Lago)

 

Relatório da Agência Internacional de Energia (AIE)

 

Durante as reuniões do Grupo de transição Energética em Belo Horizonte, foi lançado o relatório “Acessibilidade e Equidade em Políticas de Energia Limpa”, pela Agência Internacional de Energia (AIE). Segundo a analista sênior de Políticas da AIE, Jane Cohen, os crescentes custos de energia podem impactar desproporcionalmente as famílias de baixa renda, exacerbando desigualdades existentes e levando à pobreza energética.

 

“É nossa responsabilidade coletiva implementar políticas públicas e estratégias que protejam contra esses efeitos adversos, garantindo que os benefícios da transição energética sejam compartilhados de forma equitativa” (Jane Cohen).

 

O Projeto Preserva pediu que a analista da AIE falasse mais sobre as relações entre pobreza energética e desigualdade social e econômica.

 

(Jane Cohen) Pobreza energética e a desigualdade são duas principais questões inter-relacionadas, como você apontou, que o Brasil colocou à frente e no centro dessas discussões nos últimos dias, e que nós da AIE também estamos realmente trabalhando, para abordar através de nossas recomendações aos governos, para garantir a participação de todos os setores da população e discutir realmente quais tipos de políticas serão mais relevantes, com o objetivo de diminuir a pobreza energética, diminuir a desigualdade e garantir que a energia e a energia limpa sejam acessíveis a todos. Então, estamos olhando para os mesmos tipos de estratégias, mas entendendo que abordar a desigualdade e a pobreza energética estão no centro e no coração das transições de energia limpa, e no que os governos devem se concentrar.

 
Jane Cohen, analista sênior de Políticas da AIE (Agência Internacional de Energia), da ONU – Foto: Projeto Preserva

A coordenadora do GT de Transições Energéticas do G20, e assessora especial do Ministério de Minas e Energia, Mariana Espécie, também falou sobre o assunto:

 

“A gente está falando de transição energética, mas muita gente no mundo inteiro ainda não tem questões básicas, como acesso à eletricidade ou acesso a tecnologias limpas para cozinhar seus alimentos. E esses números precisam definitivamente ser superados”.
 
Mariana Espécie, coordenadora do GT de Transições Energéticas do G20, e assessora especial do Ministério de Minas e Energia – Foto: Projeto Preserva
 
 

As nossas reportagens podem ser republicadas, desde que sem qualquer tipo de alteração e que seja citada a fonte. Deve constar o(s) nome(s) do(s) autor(es) da foto e/ou da reportagem, assim como o nome do Projeto Preserva e, quando possível, o link para a página em que o material foi publicado originalmente.


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