A pouco mais de 30 km de Belo Horizonte (MG), um criadouro de onças-pintadas celebrou uma vitória para a biodiversidade brasileira: o nascimento de dois filhotes machos é um avanço na reprodução em cativeiro de onças do Cerrado, já que restam menos de mil indivíduos no bioma. O Cerrado tem a terceira população mais ameaçada da espécie e estima-se que menos de 100 onças protegidas em projetos de conservação, explica o veterinário Felipe Esteves, idealizador do Refúgio Bem Viver, em Betim (MG).
O foco do trabalho no criadouro é preservar as características genéticas da onça do Cerrado e isso torna a reprodução um desafio já que, nesse caso, não é possível misturar onças de biomas diferente, diz Felipe:
“Cada bioma molda seus predadores. A onça-pintada do Cerrado é maior, com músculos robustos e pode pesar até 110 quilos. Está adaptada para caçar presas maiores em ambientes mais abertos. Já a da Caatinga, por exemplo, é menor e mais leve.”
Para garantir a diversidade genética e evitar a extinção das onças do Cerrado, o Refúgio Bem Viver recebe animais de outros projetos do mesmo bioma e cede indivíduos, fazendo um intercâmbio e facilitando as chances de reprodução. O nascimento dos filhotes foi possível graças a uma parceria com o Instituto Nex no Extinction, de Goiás, que cedeu o macho Oxóssi, uma onça melânica, variação mais rara da onça-pintada com a pelagem escura.

O cruzamento bem-sucedido entre Oxóssi e Serena, uma das fêmeas do Refúgio, foi cheio de cautela. “As onças são solitárias. O acasalamento pode ser violento – em alguns casos, o macho mata a fêmea”, explica Felipe.
A união durou apenas três dias, o tempo do cio. Quando os confrontos começaram, o casal foi separado. Cem dias depois, durante a manhã, os dois filhotes nasceram. Um deles é melânico, com pelagem preta e pintas visíveis apenas contra a luz e o outro tem o padrão tradicional de pintas.

“Foi preciso intervenção no início da amamentação. Um dos filhotes ficou afastado da mãe e tivemos que ajudar. Mas hoje os dois estão bem, crescendo com saúde”, comemora o veterinário.
Os registros dos filhotes podem ser vistos no perfil do Refúgio Bem Viver nas redes sociais:

O criadouro começou com animais vítimas do tráfico e está sem financiamento
Felipe era estagiário do Ibama, em 2009, quando decidiu que cuidaria dos animais vítimas de tráfico, como os que via durante a rotina de trabalho. Muitos desses animais não conseguem voltar à natureza, por causa de várias enfermidades. Ele criou um instituto sem fins lucrativos, aproveitando o terreno de um sítio da família, na região metropolitana de Belo Horizonte. O Refúgio Vem Viver se especializou no cuidado das onças-pintadas, porque a espécie está ameaçada de extinção, principalmente no Cerrado, e há poucas chances de os animais resgatados conseguirem ser reintroduzidos novamente na natureza.
A devastação dos biomas e a caça são as principais ameaças ao maior felino das Américas. Soltar as onças na natureza nem sempre é a resposta ideal. “É raro um projeto de conservação que consiga reintroduzir onças. Além do risco de caça, o ambiente precisa estar saudável, com presas em quantidade e ausência de conflitos humanos”, diz Felipe.
Hoje, o Refúgio Bem Viver faz parte do Programa Nacional de Conservação da Onça-pintada e integra uma rede de criadouros que trocam indivíduos para preservar a variabilidade genética da espécie. Apesar da importância desse trabalho, o criadouro sobrevive exclusivamente com os recursos pessoais de Felipe.
Manter um felino de grande porte não é simples. Cada onça consome até 100 quilos de carne por mês, sem contar os custos com segurança, infraestrutura e manejo.
“Não temos nenhum tipo de apoio financeiro. Mas seguimos, porque a urgência é maior que as dificuldades. Essas atividades precisam de fomento para que se cumpra o ciclo completo: receber os animais, manejar, reproduzir e dar um destino digno de acordo com cada espécie. O fator limitante hoje nas atividades de manutenção de fauna ameaçada de extinção é a dificuldade de obter financiamento.”
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