Nos últimos dias, Minas Gerais voltou a viver o fantasma do colapso. A Agência Nacional de Mineração elevou para nível 2 o alerta de uma barragem da empresa Emicon, na Mina do Quéias, em Brumadinho. Famílias precisaram deixar suas casas. Segundo a ANM, “foram identificadas condições de estabilidade marginal na estrutura da Barragem B1-A”. Mas a Agência enfatiza:
“Os estudos conduzidos por auditores e projetistas indicam que os resultados obtidos não podem ser considerados conclusivos, em virtude de insuficiências nas investigações geotécnicas”, e acrescenta: “não foram registradas anomalias que indiquem risco iminente de rompimento” (ANM).
Essa barragem não tem relação com a da Vale, em Brumadinho (MG), que se rompeu em 2019, matando 272 pessoas e tingindo de lama o país inteiro. É outra.
Em Minas, a geografia da destruição não para de crescer, é o estado com maior número de barragens do Brasil. Segundo o grupo de pesquisa EduMiTe, da UFMG, há hoje 223 barragens de mineração apenas no Quadrilátero Ferrífero Aquífero mineiro. Dessas, 28 ainda são pelo método a montante, modelo das estruturas que colapsaram em Mariana e Brumadinho. Minas Gerais é o estado com maior número de estruturas com algum tipo de alerta ou emergência acionado: 33.
Duas barragens já atingiram o nível 3, o mais alto da escala, quando o rompimento é considerado inevitável.

Obras de ampliação em barragens vão escapar do controle com nova lei
Enquanto comunidades vivem em estado permanente de alerta, o Congresso Nacional aprovou a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, conhecida como PL da Devastação, que aguarda análise da Presidência. O projeto cria brechas para que obras com alto impacto social e ambiental sejam licenciadas de forma mais rápida e menos criteriosa. Em alguns casos, até mesmo sem Estudo de Impacto Ambiental.
Como mostramos, se estivesse em vigor hoje, o projeto conhecido como PL da Devastação, permitiria que 98% dos empreendimentos licenciados em Minas Gerais fossem aprovados automaticamente, sem qualquer análise técnica ambiental. Isso porque a proposta amplia o chamado licenciamento por autodeclaração para projetos de médio porte, hoje submetidos a algum nível de controle.
Especialistas em direito ambiental alertam para os impactos. As barragens de mineração, por exemplo, seguem a legislação da Política Nacional de Segurança de Barragens, vinculada à ANM. No caso das obras para alteamento em barragens de mineração que forem consideradas de pequeno ou médio porte, o autolicenciamento poderá ser aplicado, como explica a consultora ambiental e doutora em Ecologia, Flávia Peres:
“Se a gente considerasse a barragem toda, ela seria grande porte, grande. Mas quando se licencia o aumento, o alteamento, se avalia apenas a pauta que vai ser ampliada. Por isso, se a lei já estivesse em vigor no passado, a ampliação da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que desabou em 2019, seria feita por autolicenciamento”.
Em Minas Gerais, a lei “Mar de Lama Nunca Mais”, foi uma resposta ao colapso das estruturas e à impunidade das empresas. Ela proíbe, por exemplo, a concessão de licença para alteamento de barragens sem a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
A nova proposta federal, no entanto, pode flexibilizar essa exigência, abrindo espaço para a autorização sem análise técnica robusta. O advogado Bernardo Machado, diretor da OAB de Mariana, explicou que, caso aprovada, a nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental terá prevalência sobre legislações estaduais mais rigorosas.
“Grande parte da mineração do estado é de médio porte e médio potencial poluidor, com minas que produzem até 300 mil toneladas por ano, também conhecidas como as miniminas. Se o empreendimento tiver barragem, a lei Mar de Lama não vai se aplicar e ele fica desobrigado de passar pelo processo de licenciamento”, explica Machado.
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