À medida que a COP30, em Belém, se propõe a direcionar o foco global para a “implementação”, emerge um (raro) consenso: a eficácia da agenda climática dependerá de sua capilarização, transpondo acordos internacionais, multilaterais, para a realidade local. No Brasil, essa realidade é, por definição, municipal.
Um descompasso profundo marca o cenário nacional. Um levantamento recente, divulgado pela Revista Pesquisa FAPESP, indica que menos de 13% dos municípios brasileiros possuem capacidade institucional e instrumentos legais adequados para a adaptação às mudanças climáticas. O estudo, publicado na revista Sustainable Cities and Society, revela uma deficiência crítica na gestão de risco: 65% das cidades apresentaram índices baixíssimos (inferiores a 0,2) nesse quesito. Apenas 13% informaram possuir planos de redução de riscos e 5,5% dispunham de cartas geotécnicas (Fonte: Revista Pesquisa FAPESP).
É nesse contexto de urgência e disparidade que o projeto CLIMATIVA apresenta seu trabalho na COP30 na próxima terça-feira (18/11). A iniciativa, fruto de uma colaboração interinstitucional (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, Fundação João Pinheiro – FJP, CEFET-MG e parceiros), concentra seus esforços exatamente nos 90% do território nacional sob responsabilidade de cidades com menos de 150 mil habitantes — municípios frequentemente à margem dos grandes debates.
A Professora da UFMG e co-coordenadora do projeto, Rejane Magiag Loura, vai moderar o painel na COP. Ela explica que o método foi desenvolvido para “dar apoio às cidades de pequeno e médio porte no desenvolvimento dos seus Planos de Ação Climática [PAC]”. O trabalho, já aplicado em 18 cidades, assenta-se na autonomia municipal e na participação popular.
“O resultado desse método são ferramentas de administração pública, onde fica estabelecido no horizonte de tempo quais são as ações prioritárias naquela realidade territorial. Conseguimos trabalhar o método pensando o recorte político e de território, que é o município. Embora a gente entenda que, tecnicamente, o ideal seria ter uma abordagem na escala, por exemplo, de bacia hidrográfica, isso ainda é um desafio muito grande, porque é preciso alinhar os interesses políticos de distintos agentes vizinhos”, diz a professora.
A valorização do “conhecimento situado”
Uma das principais barreiras para os pequenos municípios é a escassez de dados, que inviabiliza a aplicação de métodos tradicionais de planejamento. A abordagem do CLIMATIVA propõe associar o saber científico ao “conhecimento situado”:
“É preciso associar o saber científico e técnico ao saber, ao conhecimento situado, que é o conhecimento de quem está ali no território, de quem vivencia as dificuldades. A gente acredita muito na construção participativa desse plano. Eu percebo, lidando com esses municípios, que as pessoas falavam que parecia ser um negócio muito difícil de resolver. Mas, na hora que se chega no território e na escala de vida delas, elas começam a perceber que a gestão municipal pode fazer muito e pode ajudar muito”, lembra Rejane.
A ação climática, segundo o projeto, não é uma agenda abstrata. Ela se traduz em políticas públicas concretas, como a gestão de resíduos sólidos (“a gente esquece que lixo emite gás de efeito estufa”) e o saneamento básico, incluindo o importante trabalho de drenagem, essencial para evitar ou minimizar danos causados por inundações e deslizamentos. O Plano de Ação Climática torna-se, assim, uma ferramenta de governança e um pré-requisito para, segundo a pesquisadora, “saber ‘recurso para quê?’ O que você tem que enfrentar primeiro? E nessa perspectiva, os planos de ação climática são ferramentas muito importantes”, viabilizando o acesso a fundos.
“A prefeitura tem que saber onde vai implementar e, ao saber, precisa se unir com o corpo técnico municipal e verificar onde esse dinheiro está. E, às vezes, esse dinheiro está em fundos internacionais, às vezes, na própria política pública brasileira, nacional, que não está sendo acessada por falta de planejamento e projeto. A gente precisa começar a amarrar políticas públicas, mesmo que não completamente implementadas, mas já no radar do corpo técnico e dos políticos, com ações climáticas. Seja pelo lado da mitigação da emissão de gases, seja pelo da habitação dos territórios, para a gente evitar perdas financeiras, sociais e de vidas”.
Medidas simples também podem fazer a diferença.
“Por exemplo, uma política de arborização numa cidade pode fazer a diferença absurda na temperatura. E não é nada muito extraordinário. Em cidades pequenas, com um tráfego mais tranquilo, dá para fazer mudanças imensas com isso”.
O risco da reconstrução vulnerável
A urgência da agenda tem sido ratificada por eventos extremos recentes, como os tornados em Rio Bonito do Iguaçu (PR), há, poucos dias, ou as enchentes no Rio Grande do Sul, no ano passado. A professora Rejane alerta para o risco de, na ausência de planos, a reconstrução levar essas cidades a “uma situação mais vulnerável do que a situação anterior”. O auxílio emergencial, por sua natureza, não garante a resiliência.
O painel do CLIMATIVA na COP30, que inclui Natalia Aguiar Mol (UFMG/CLIMATIVA), Beatriz Pagy (Clima de Política) e Guilherme Tampieri (PUC Minas/FUNAG), destina-se a dialogar com os gestores desses municípios. A mensagem central é a da viabilidade: a transformação climática depende de ações locais imediatas.
“A gente não precisa, por exemplo, esperar a transição energética para começar a resolver o problema. Tem muita coisa para se fazer. E agora”, pontua Rejane.
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