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A corajosa missão de seguir em frente, ao lado da dor

Atualizado: 1 de mai.

O instituto criado por amigos e parentes de Helena Taliberti e Vagner Diniz chega ao quinto ano espalhando o legado dos filhos que morreram com o rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho

 

Helena e Vagner, em recente passagem por Brumadinho Foto: Projeto Preserva

Refazer o caminho de São Paulo até Minas e entrar em Brumadinho mais uma vez traz de volta a angústia e o horror dos dias seguintes ao rompimento da barragem, em 25 de janeiro de 2019, quando 272 pessoas morreram. A dor nunca passou, mas, cinco anos depois de perderem os dois filhos, a nora e o neto que iria nascer, Helena e Vagner seguem firmes no propósito de espalhar o legado dos filhos.

 

Os irmãos Camila e Luiz Taliberti e a mulher dele, Fernanda, grávida de Lorenzo, estavam hospedados na pousada que foi devastada pela lama. Hoje, o Instituto criado meses depois do rompimento da barragem da Vale é um espaço que dá potência a várias ações socioambientais.

 

Em Brumadinho, Helena e Vagner participaram de reuniões com a Avabrum, a associação dos familiares das vítimas, já que todos ainda têm muito trabalho na defesa de vários direitos: três vítimas continuam desaparecidas, nenhum responsável foi punido criminalmente e o memorial criado para honrar os atingidos, as vidas perdidas e as famílias, segue fechado.

 

Além de todas as lutas travadas, a memória das vítimas é um recente campo de batalha. Veja a entrevista exclusiva que o Projeto Preserva fez com Vagner Diniz.


O memorial das vítimas da Vale em Brumadinho


Vagner Diniz: O projeto arquitetônico foi escolhido pelos familiares, mas quando nós fomos lá pela primeira vez, já havia uma expografia montada, já tinha toda uma exposição montada. Não fomos nós que escolhemos essa expografia, não foram os familiares que fizeram. Ela veio pronta na entrega que a Vale fez. Essa narrativa nós temos que olhar com muito cuidado, porque o Memorial tem que fazer parte da história das pessoas que estão vivas. Nós queremos que aquele espaço seja um espaço que integre o memorial à vida da população.

 

Então a narrativa do Memorial tem que partir de uma escuta, de uma escuta muito atenta dessa população que sofre até hoje as suas perdas. Ele foi uma demanda dos familiares para honrar as vítimas. O Memorial é um espaço em que se decide que você vai guardar na memória aquilo que é importante e, por isso, tivemos uma intensa negociação para que a empresa não tivesse nenhuma inserção na governança desse espaço.  

 

“São os familiares que devem decidir o que vai ser exposto ali, qual a narrativa que vai ser dada para esse memorial. E são os familiares que vão também governar, dirigir o memorial. A governança deve ser única e exclusivamente dos familiares”, diz Vagner.

 

Então foram dois anos de muita conversa e elaboração de documentos entre as partes. E aí eu quero dizer para vocês que o Ministério Público foi essencial, foi fundamental na mediação, fez um papel muito bom e muito importante.

 

Finalmente, a gente conseguiu em agosto do ano passado, somente em agosto de 2023, nós conseguimos instituir a Fundação Memorial de Brumadinho com um modelo de governança em que a Associação dos Familiares de Vítimas (Avabrum) definiu quem vai compor diretorias e conselhos.


• Vagner Diniz é o presidente do Conselho Curador do Memorial.

• Também fazem parte do Conselho: Sérgio Caldeira do Amaral e Kênia Paiva Silva Lamounier, integrantes da Avabrum, além da reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, e a Maria Fernanda Salcedo Repolês, também da UFMG.

• A Diretoria Executiva é composta por Fabíola Moulin Mendonça, ex-secretária de Cultura de Belo Horizonte, Vanessa Sousa Vieira e Juliana de Araújo Veiga dos Santos, que já passaram pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.


Vagner: Nós não vamos aceitar, em hipótese alguma, que esse memorial faça parte desse pacote de reparação que foi acordado entre a Vale, o Ministério Público e o governo do Estado. Não tem nada a ver. Jamais isso foi descrito nesse grande acordo. Jamais. Portanto, tudo o que já foi gasto ali, não vamos aceitar que isso seja depois abatido como parte da reparação, porque honrar as memórias não é reparação, não pode fazer parte da reparação. Isso é o mínimo que você tem que fazer: oferecer um espaço em memória às vítimas.

 

A reparação às vítimas do rompimento da barragem

 

Todo esse processo é muito doloroso porque sentimos que nossos entes foram arrancados da gente, literalmente. Imagina meus filhos que tinham 31 e 33 anos na época e jamais imaginávamos uma coisa dessas, sentimos nossos filhos foram arrancados, de cada um de nós. 


Esse tipo de luto é tão traumático que tudo o que a gente espera é ter forças, suporte, acolhimento e empatia. Um processo muito difícil porque, com as investigações, a cada dia, a gente tinha a certeza de que essa tragédia crime poderia ter sido evitada.

 

“Não existe reparação. Esse é o ponto essencial pra poder se dizer sempre. Não existe reparação possível para uma tragédia desse porte. Então não adianta falar ‘olha o que nós estamos fazendo como reparação, olha as nossas estratégias de reparação, olha as nossas medidas de reparação’. Bobagem. Não existe reparação, ponto final”, afirma Vagner.

 

A minha família nunca recebeu um pedido de desculpas da Vale. Nunca. A minha família nunca recebeu um telefonema sequer.

 

 As buscas pelas 3 vítimas desaparecidas

 

Depois dessa tragédia, tudo o que nós queríamos era que os corpos fossem encontrados, todos os corpos, para que as famílias pudessem, de alguma forma, fechar esse ciclo, que é um ciclo profundamente doloroso para todos. Lamentavelmente, ainda temos três vítimas não encontradas e então, desse ponto de vista, ainda temos essa expectativa de que as buscas jamais se interrompam enquanto não se encontrar todos os corpos. Isso é um ponto essencial.

 

“Não parem as buscas, não parem as buscas. E creio que o Corpo de Bombeiros, principalmente, tem sido sensível a este apelo para que as buscas jamais cessem” (Vagner).

 

• As três vítimas ainda desaparecidas são Tiago Tadeu Mendes da Silva e Nathália de Oliveira Porto Araújo, que eram funcionários da Vale, e Maria de Lurdes da Costa Bueno, madrasta de Camila e Luiz.


A Associação dos Familiares das Vítimas de Brumadinho

 

Vagner: Logo nos momentos após a tragédia, os familiares começaram a ser atendidos na Estação Conhecimento, que é um espaço da Vale. Todos os familiares foram levados para serem atendidos na casa do seu algoz. Foi muito difícil para todos nós. Foi difícil conseguir ganhar forças para poder superar esse processo todo, quando tivemos de buscar informações sobre os nossos com quem causou a tragédia. E as autoridades públicas aceitaram esse tipo de coisa.

 

Assim as suas expectativas são derrubadas, são derrubadas completamente.

 

“O que nos resta, como familiares de vítimas, é nos juntar, nos organizar, como fizemos através da Avabrum, a Associação dos Familiares de Vítimas da Tragédia de Brumadinho. A gente se juntou pra caminhar juntos“ - Vagner Diniz.

 

O Instituto Camila e Luiz Taliberti

 

Quando tudo aconteceu, os amigos dos meus filhos ficaram devastados e queriam fazer alguma coisa. Então, juntos, criamos um instituto para atender essa demanda dos amigos e amigas. Você vai criando círculos de empatia, de acolhimento, e conseguindo se apoiar um no outro, para poder continuar a entender as coisas, conseguir nos entendermos nessa situação completamente nova e tentar ver o que se pode fazer nesse contexto.

 

• O Instituto Camila e Luiz Taliberti promove debates e ações de conscientização sobre problemas ambientais, dá visibilidade a pesquisas e conteúdos sobre ecologia e tragédias como a de Brumadinho, amplifica as vozes em defesa dos direitos humanos e grupos vulneráveis, valores defendidos por Camila e Luiz. O instituto se tornou uma das referências na conscientização socioambiental, não por acaso o lema do instituto é: “Tentaram nos enterrar. Não sabiam que éramos sementes”.     

O modelo de mineração

 

Vagner Diniz: Nesse processo de dor, a gente começa a tomar ciência de tudo isso e compreender a magnitude da mineração. Ficam claros o antes, o durante e o depois da tragédia, porque percebe-se que essa tragédia teve um antes e não é um antes pequeno. Não é só a questão da outra tragédia de Mariana, mas tem a tragédia de Herculano...


• Em 2014, uma barragem da Herculano Mineração se rompeu no complexo minerário Mina Retiro do Sapecado, na zona rural de Itabirito (MG). Três pessoas morreram e foram causados "graves danos ambientais", segundo o Ministério Público de Minas Gerais


Vagner: A gente começa a se dar conta que tem o antes, durante e o depois. O depois é pensar e a trabalhar numa expectativa de que tudo isso precisa mudar.

 

“Não dá para continuar do jeito que está, porque, se continuar desse jeito que está, vai acontecer de novo. Praticamente nada foi feito do ponto de vista de legislação, do ponto de vista de fiscalização e barragens com alto risco de rompimento continuam existindo” - Vagner Diniz

 

Nada mudou na lógica econômica em torno da mineração, nada foi feito e continuamos no mesmo processo de criação de circuitos dependentes do minério. E que aqui em Minas é muito evidente. Os municípios minério-dependentes são de fato muito dependentes da mineração por conta do imposto que advém do setor. Brumadinho era um caso típico. Eu não sei como é que está hoje, mas, na época, 40% da receita de Brumadinho vinha da mineração. Essa situação precisa mudar, ela precisa ser diferente. Mas não mudou, tá tudo igual. Pelo contrário, a mineração avança e avança de um jeito mais perverso possível.


“É perverso, porque a mineração sabe que o minério vai acabar aqui em Minas Gerais -e tem data para acabar. E eles estão fazendo esse movimento gigantesco de ir pro norte do Brasil para começar a exploração do minério e fazer a mesma coisa. E aqui em Minas vai ficar um passivo ambiental e humano gigantesco“, diz Vagner.
 

Agora, em janeiro, o Instituto Camila e Luiz Taliberti, promove em São Paulo o Mês da Memória, para lembrar as vítimas e amplificar o pedido por justiça. Estão previstos um ato na Avenida Paulista, para chamar a atenção para a impunidade, cinco anos depois da tragédia, e eventos em torno da exposição "Paisagens Mineiradas", que reúne 10 mulheres artistas. Mais informações aqui.


Estão previstos eventos também em Brumadinho, promovidos pela Avabrum, entre os dias 21 e 25 de janeiro.


 

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