A Cordilheira do Espinhaço é um dos patrimônios naturais mais singulares e estratégicos do Brasil. Reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como
Reserva Mundial da Biosfera, essa cadeia montanhosa é a única do tipo no país e abriga uma biodiversidade extraordinária, além de ser um imenso castelo de águas: ali nascem centenas de rios, córregos e veredas que abastecem grandes bacias hidrográficas, como as do São Francisco, do Jequitinhonha e Doce.
Preservar o Espinhaço é preservar a água. É garantir a continuidade da vida em todo o território mineiro e além dele.
No entanto, enquanto cientistas, ambientalistas, comunidades locais e outras pessoas de bom senso alertam para a urgência de proteger esse bioma, o que se vê é o avanço implacável de uma política de desregulamentação ambiental. Mesmo antes da sanção presidencial do chamado “PL da Devastação”, estados como Minas Gerais já se antecipam ao retrocesso. O Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), sob coordenação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, aprovou medidas que facilitam o licenciamento de empreendimentos em áreas antes consideradas intocáveis. Para usar um termo bastante conhecido, “vanguarda do atraso” definiria bem esse papel de “liderança” exercido pelo estado.
Uma das mais graves consequências é a retirada da proteção a mais de 50 áreas de vegetação nativa com importância biológica classificada como “extrema” ou “especial”. Com isso, uma grande porção do território mineiro poderá ser explorado por meio de licenciamento simplificado, incluindo áreas da própria Cordilheira do Espinhaço.
Estamos diante de uma escolha civilizatória: tratar a água como um bem comum ou como mercadoria. Ao reduzir drasticamente os critérios de licenciamento, o Estado mineiro passa a enxergar os mananciais do Espinhaço não como fontes de vida, mas como obstáculos à mineração, à expansão imobiliária e a outros interesses econômicos imediatistas, que levam riqueza para poucos e prejudicam milhares. Isso ignora o papel estratégico da região para a segurança hídrica, especialmente em um país que sofre com eventos climáticos extremos, secas prolongadas e colapsos de abastecimento.
Todos reconhecem o valor do Espinhaço como destino de ecoturismo, rota de culturas tradicionais e espaço de convivência entre natureza e comunidades. Mas esse potencial só existe porque a paisagem ainda resiste. Se a destruição for autorizada, perdemos todos: perdem os rios, as cidades, os agricultores, as futuras gerações.
Essa preocupação não pode ser meramente estética.
É hora de interromper a lógica da última gota. Preservar os mananciais da Cordilheira do Espinhaço não é apenas uma questão ambiental. É uma exigência ética, política, de sobrevivência. De Decência.
Artigo publicado originalmente na coluna do Projeto Preserva, no Jornal Diário do Comércio